17 de setembro de 2016

Após visita da relatora, indígenas voltam à ONU para denunciar genocídio no Brasil

Visita da relatora da ONU a comunidade Guarani e Kaiowa no Mato Grosso do Sul. Foto: Ruy Sposati/Cimi



Representantes de seis povos indígenas no Brasil participarão da 33ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (UNHRC), em Genebra, na Suíça. Frente ao genocídio sofrido pelas populações indígenas no Brasil e ao retrocesso político aprofundado pelo governo de Michel Temer, a delegação irá denunciar as violações aos direitos humanos e a ofensiva ruralista contra os direitos indígenas.
“É a minha terceira vinda na ONU trazendo a nossa realidade, contar do massacre desumano que os indígenas estão sofrendo, o que o Brasil está fazendo com os povos indígenas”, comenta a liderança Guarani Kaiowa Elizeu Lopes, representando o  Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani e Kaiowa) e o Conselho Continental da Nação Guarani na delegação brasileira.
Na próxima segunda, 19, os indígenas se reunirão com representantes do governo brasileiro, na Missão Permamente do Brasil junto à ONU. “A gente vem aqui dizer que tem genocídio, que tem violência,comenta Elizeu. E com todo mundo sabendo, achamos que isso pode ajudar a cobrar a responsabilidade o governo do Brasil, para eles pararem de ser desumanos e assumir que fazem massacre com impunidade.
Na terça, 20, a relatora especial sobre assuntos indígenas da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, irá apresentar o relatório da missão no Brasil, realizada em março deste ano, durante a sessão do Conselho de Direito Humanos, onde Elizeu Lopes também fará um pronunciamento.
Na quarta-feira, 21, lideranças realizarão um evento paralelo à reunião do UNHRC. Intitulada “Direitos indígenas: perspectivas em tempos de retrocesso e violência no Brasil”, a mesa de debates será composta pela Guajajara e representante da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), Sônia Bone; pelo Guarani Kaiowa Elizeu Lopes; e pelo Yanomami e fundador da associação Hutukara (HAY), Davi Kopenawa. Ainda, comporão a mesa o procurador da república no Mato Grosso do Sul, Marco Antonio Delfino, e a relatora especial, Victoria, além Ana-Maria Suarez Franco, da Food First Information and Action Network (Fian International). Ainda, estarão no plenário do evento a Pankararu Cristiane Julião, a Taurepang Telma da Silva e a Xavante Samantha Juruna, convidadas pela ONU Mulheres.
Durante o evento, serão lançados o Relatório Anual de Violência Contra os Povos Indígenas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), além do estudo “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do Povo Guarani e Kaiowá: um enfoque holístico”, realizado em parceria pela Fian Brasil, Fian International e Cimi, e que denuncia a grave situação nutricional e da segurança alimentar dos Kaiowa e Guarani no Mato Grosso do Sul.

O Guarani Kaiowa Elizeu Lopes, durante visita da relatora ao tekoha Kurusu Ambá. foto: Phil Clarke Hill

Elizeu espera que tanto Brasil como os estados, em especial o Mato Grosso do Sul, saiam constrangidos após a apresentação da relatora. “O caso dos Guarani e Kaiowa é urgente, e não dá mais de esperar trinta, quarenta anos. É muito racismo e genocídio, não tem punição, e o governo não demarca as terras. Quem tá morrendo somos nós. Como não fazem nada, nós não vamos parar de fazer retomada. A gente necessita de espaço. A luta não vai parar. A retomada vai continuar. Estamos defendendo a vida, para nós a terra é vida, é Yvy, é sagrado”.
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (UNHRC)
Principal órgão intergovernamental responsável por promover o respeito universal e a proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, o UNHRC é composto por 47 Estados membros, e articula-se com os diversos mecanismos e mandatos de direitos humanos constituídos por tratados internacionais. 
Analisa violações flagrantes e sistemáticas, bem como promove as Revisões Periódicas Universais (UPR), quando um Estado membro é submetido a uma avaliação geral acerca do cumprimento e defesa dos Direitos Humanos. Em 2017 será inaugurado o 3º ciclo das UPR e o Brasil será um dos países examinados.

Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, durante sua visita aos Tupinambá, na Bahia. foto: Renato Santana/Cimi

Missão da ONU no Brasil
A relatora especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, esteve no Brasil, liderando uma missão internacional da ONU, entre os dias 7 e 17 de março deste ano. Visitou terras indígenas em situação de conflito fundiário, símbolos da falta de garantia de direitos humanos e sociais destes povos, na Bahia, no Pará e no Mato Grosso do Sul - neste último, Victoria esteve na área onde vive Elizeu Lopes, o tekoha Kurusu Ambá, que sofreu um ataque de pistoleiros logo após sua visita.
Esses estados e terras indígenas tinham sido visitados pelo predecessor de Victoria na Relatoria Especial da ONU sobre Direitos Indígenas, James Anaya, em 2008. O objetivo da visita de Victoria foi o de verificar se as recomendações de Anaya tinham sido atendidas pelo governo brasileiro e fazer outras, conforme o que se constatasse durante o roteiro de viagem.
No relatório que será apresentado terça-feira na ONU, a especialista transmitirá suas impressões sobre a viagem e fará recomendações ao governo brasileiro. Na avaliação de Victoria, “há uma inquietante ausência de avanços para a implementação das recomendações do Relator Especial e na solução de antigas questões de vital importância para os povos indígenas” no Brasil. Em março, ao fim de sua visita, a relatora afirmou que “os riscos enfrentados pelos povos indígenas estão mais presentes do que nunca desde a adoção da Constituição de 1988”.
“Eu não quero voltar daqui para a aldeia, e simplesmente dizer que eu vim aqui na ONU. Eu não vim passear na Suíça. Também não queremos que a visita da relatora da ONU no Brasil seja lembrada como uma caravana de turistas. Esse relatório tem informações muito sérias, tem que servir para pressionar, o governo brasileiro precisa ouvir que nós somos contra a Portaria 303, a PEC 215, o marco temporal”, explica Elizeu.
Cimi com status consultivo
Recentemente, o Cimi obteve status consultivo especial no Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da Organizações das Nações Unidas (ONU), tendo reconhecida sua competência especializada e a experiência prática da entidade na questão indígena, permitindo que ela contribua nos trabalhos das Nações Unidas,e sendo permitida sua participação como observadora nas sessões do Conselho de Direitos Humanos, e podendo apresentar moções por escrito e intervenções orais.

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