9 de março de 2016

Tribunal de Justiça desobriga advogado Luiz Henrique Heloy Amado a prestar depoimento na CPI do Cimi (MS)

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. (CF)


 
Sustentação Oral no STJ _ Arquivo Pessoal

A deputada Mara Caseiro mais uma vez demonstra total desconhecimento jurídico na condução dos trabalhos na atrapalhada CPI que preside na Assembleia Legislativa daquele estado.
A double de produtora rural e parlamentar  já havia requisitado, inclusive, um delegado de polícia para "ir atrás" do advogado do Cimi para depor hoje.
Mas foi impedida por força de uma liminar do desembargador  Júlio Roberto Siqueira Cardoso em resposta ao pedido de habeas corpus do advogado Anderson de Souza Santos N.o 1402166-54.2016.8.12.0000 por constrangimento ilegal.
O desembargador entendeu que o depoimento do advogado do Conselho Indigenista Missionário, há quatro anos, configuraria "ilegítimo atentado ao exercício regular da Advocacia, ao direito de defesa e ao Estado Democrático de Direito, pois a autorização e convocação do advogado para prestar depoimento acarreta ofensa à inviolabilidade do sigilo profissional". Luiz Henrique Eloy Amado é da etnia Terena e doutorando em Antropologia. Leia decisão na íntegra, a seguir:

Decido
Consoante  relatado,  trata-se  de  habeas  corpus  no  qual  o impetrante alega que o paciente está na iminência de sofrer constrangimento ilegal, por violação ao seu direito de livre exercício da advocacia, uma vez que foi  convocado  para  depor  na  CPI  que  investiga  o  Conselho  Indigenista Missionário para o qual presta serviços advocatícios.
Como cediço, o habeas corpus é o instrumento processual constitucional, isento de custas, posto à disposição de qualquer pessoa física para resguardar a liberdade de locomoção, conforme prevê o artigo 5º, incisos LXVIII e LXXVII, da Constituição Federal.
Sempre que o ser humano sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, terá ao seu dispor o remédio heróico.
Contudo,  tanto  a  doutrina  quanto  a  jurisprudência  têm ampliado  a esfera de utilização do habeas  corpus, utilizando-o também em situações em que houver abuso de poder.
A respeito, leciona Uadi Lammêgo Bulos:
“Existem casos excepcionais, arquivados nos acervos de jurisprudência dos pretórios, em que o habeas corpus foge à orientação de que só deve ser aplicado, em sentido estrito, para tutelar a liberdade de locomoção.
Não  raro,  os  tribunais  têm  concedido  o  writ  para tutelar direitos conexos à liberdade individual, escapando da    linha   clássica,   consagrada   desde   a   reforma constitucional  de  1926  e  incorporada  nas  constituições brasileiras a partir de 1934.
Este parâmetro de aplicação do habeas corpus pelos juízes e tribunais não desvirtua o instituto, nem tampouco fere  normas  constitucionais,  nem  vai  de  encontro  aos preceitos do Código de Processo Penal. Trata-se de uma manifestação  do  construtivismo  judicial,  que  adapta  o remédio heróico às necessidades acoimadas pelo influxo do fato social cambiante. O aplicador do direito não é escravo da norma. (…)” (Constituição Federal Anotada. 10ª São Paulo: Saraiva, 2012. p. 336).
Em suma, o habeas corpus poderá ser impetrado sempre que o indivíduo vislumbrar em uma medida ilegal ou abusiva uma ofensa indireta ou reflexa ao seu direito de locomoção.
Com  efeito,  vem  sendo  admitida  a  utilização  do  remédio constitucional para afastar convocação para depoimento em CPI, conforme defendem Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
“Na mesma linha, o indivíduo convocado para depor como   testemunha  perante  comissão  parlamentar  de inquérito – CPI poderá impetrar habeas corpus para afastar a  convocação, se entendê-la arbitrária, pois a mera convocação implica ofensa indireta ao direito   de locomoção, uma vez que, se o indivíduo não comparecer voluntariamente,  poderá  ser  conduzido  coercitivamente pela CPI (a mera convocação representa, assim, uma ofensa indireta ao direito de locomoção)” (Direito Constitucional Descomplicado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2011. p. 213).
Aliás, não é outro o entendimento assentado no Supremo Tribunal Federal, confira-se:
“EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento, em caráter preventivo, contra ameaça de constrangimento a liberdade de locomoção, materializada na intimação do paciente para depor  em  CPI,  que  contem  em  si  a  possibilidade  de condução  coercitiva  da  testemunha  que  se  recuse  a comparecer, como, no caso, se pretende ser direito seu. (…)”  (STF;  HC  71261,  Relator(a):  Min.  SEPÚLVEDA PERTENCE,  Tribunal  Pleno,  julgado  em  11/05/1994,  DJ 24-06-1994 PP-16651 EMENT VOL-01750-03 PP-00443).
Na hipótese dos autos, o paciente, Dr. Luiz Henrique Eloy Amado, é advogado (f. 22) contratado pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI (f. 24), o qual é investigado pela CPI na qual fora convocado a depor.
Contudo, tanto o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n.º 8.906/1994) quanto a Constituição Federal impõem ao advogado o dever de sigilo profissional, verbis:
Lei n.º 8.906/1994:
“Art. 7º São direitos do advogado: (…)
XIX – recusar-se a depor como testemunha em processo no  qual  funcionou  ou  deva  funcionar,  ou  sobre  fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional;
(…).”
“Art. 34. Constitui infração disciplinar:
(…)
VII – violar, sem justa causa, sigilo profissional; (…)”
Constituição Federal:
“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
O segredo profissional do advogado refere-se aos fatos dos quais toma conhecimento ou às confidências que lhes são feitas no exercício de sua  profissão,  sendo  também  obrigado  a  guardar  segredo  quanto  aos documentos que lhes são confiados e ao que sabe em razão do seu conteúdo.
Nesse  contexto,  mostrando-se  presente  o  fumus  boni  iuris, consistente no dever de sigilo imposto ao advogado, bem como o periculum in mora, uma vez que a sessão para a qual o paciente foi convocado a depor está na iminência de ocorrer (09.03.2016), deve ser concedida a liminar ora pleiteada.
Ante  o  exposto,  concedo  a  liminar  pleiteada  na  peça inaugural para: (i) desobrigar o paciente de prestar esclarecimentos à CPI do CIMI, instaurada pelo Ato n.º 06/2015 da Presidência da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul sobre questões relacionadas a fatos dos quais tenha conhecimento em  decorrência  do  exercício  profissional,  autorizando  o  seu silêncio quando entender que sua resposta posse implicar violação ao sigilo profissional; (ii) assegurar que seja preservada a confidencialidade que rege a relação entre cliente e advogado; (iii) desobrigar o paciente de assinar termo de compromisso de dizer a verdade; (iv) assegurar o seu direito de ser assistido por advogado, comunicando-se com ele livremente e em particular, excluída a possibilidade de ser submetido a qualquer medida privativa de liberdade ou restritiva de direitos em razão do exercício da prerrogativa constitucional.
Determino a notificação da autoridade coatora para que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações.
Após, remetam-se os autos à Procuradoria-Geral de Justiça para elaboração de parecer.
Publique-se, registre-se e intime-se.
Campo Grande, 7 de março de 2016.
Des. Júlio Roberto Siqueira Cardoso
Relator”




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