9 de março de 2016

“O QUE MAIS DÓI É A IMPUNIDADE”, DIZ INDÍGENA À RELATORA DA ONU

“ O Brasil ultrapassou os limites. O Brasil precisa ser punido”, afirmou, entre lágrimas, a indígena Rosane Kaingang, da Arpin-Sul, ao relatar o assassinato do bebê Vitor Kaingang, de apenas dois anos, em janeiro passado, na praia de Imbituba, litoral de Santa Catarina. 


“Devemos pôr fim à desigualdade e à extrema pobreza o que porá fim ao racismo e à discriminação que leva à invisibilidade dos povos indígenas. Todos os parlamentares e todas as entidades devem proteger os direitos dos povos indígenas para que eles possam continuar a viver e desfrutar uma vida com dignidade. Que mais nenhuma pessoa seja morta” ( Victoria Tauli-Corpuz)
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados recebeu hoje (ontem), 08, por duas horas, a relatora Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU, Victoria Tauli-Corpuz. A deputada federal Janete Capiberibe (PSB/AP) apresentou à relatora uma carta contendo denúncias de violação dos direitos humanos e de desmonte da política indigenista pelo Governo Federal, em concordância com os setores econômicos do agronegócio, da mineração, do petróleo e geração de energia que “querem se apropriar das riquezas brasileiras sem impedimentos”. A reunião foi acompanhada por diversos movimentos sociais como o Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, Articulação dos Povos Indígenas do Sul – ARPIN-Sul, a Associação Brasileira dos Antropólogos – ABA, a Via Campesina, o Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA, o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, dentre outros.
Na Carta, a deputada Janete denuncia a ofensiva dos setores econômicos contra os povos indígenas, comunidades quilombolas, povos tradicionais, pequenos agricultores e assentados da reforma agrária e meio ambiente com a conivência e a omissão do Estado brasileiro. Ela aponta falta de ação do Governo Federal para homologar novas terras indígenas – “21 processos aguardam a assinatura da presidente Dilma sem que tenham qualquer questionamento”, escreveu – e o desmonte da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, com o corte determinado de 60% dos cargos que deverão ser extintos pelo Ministério da Justiça. Falou da morosidade do Judiciário e das decisões contrárias aos povos indígenas e da ofensiva dentro do parlamento cuja representação dos setores econômicos é distorcida pelo poder financeiro e põe em risco os direitos conseguidos pela Constituição de 1988.
Desqualificação – “Só uma forte pressão internacional sobre os financiadores e empresas nacionais e multinacionais e sobre o poder público poderá pôr fim às agressões vergonhosamente naturalizadas”. A pressão se daria pelo boicote aos produtos – carnes, grãos, madeiras, minérios, combustíveis fósseis, etc – oriundos de terras onde há conflitos e violação dos direitos dos povos indígenas.
O ataque dos representantes do agronegócio, da mineração e da geração de energia aos antropólogos foi condenado e denunciado como tentativa de desqualificar todo o processo demarcatório a partir dos profissionais que o iniciam. O CIMI, coordenação das igrejas cristãs que atua em defesa dos índios brasileiros, também é sistematicamente desqualificado por opor-se aos interesses dos representantes do capital internacional.
Dor – “Registro para a senhora que o que dói mais é a impunidade, a omissão do Estado brasileiro. Os inquéritos de todas essas mortes não são concluídos. São arquivados. O Brasil ultrapassou os limites. O Brasil precisa ser punido”, afirmou, entre lágrimas, a indígena Rosane Kaingang, da Arpin-Sul, ao relatar o assassinato do bebê Vitor Kaingang, de apenas dois anos, em janeiro passado, na praia de Imbituba, litoral de Santa Catarina. “A degola de uma criança de 2 anos é racismo tão extremo que já partiu para o extermínio completo”.
A ofensiva da CPI da Funai-Incra foi denunciada por parlamentares e lideranças. Rosane afirmou que o presidente da CPI, nesta terça, deu entrevista para uma emissora de rádio no Rio Grande do Sul incentivando o ódio aos indígenas.
Invisíveis – O cacique Enildo Gamela, do Maranhão, afirmou que seu povo foi tratado como desaparecido há 200 anos, pelo Estado brasileiro, enquanto suas terras foram tomadas por fazendeiros, madeireiros e grileiros. “Foi reduzida em mais de 80%. Em 2014, começou a luta com pequenas retomadas, muita dificuldade, muitos ataques. Estamos convivendo ao lado de fazendas cheias de jagunços”, denunciou, para cobrar providências do Governo do Estado do Maranhão e do Governo Federal. Enildo está ameaçado de morte. “Não tenho vida, vivo escondido”.
Lideranças e parlamentares denunciaram que o Governo brasileiro não acatou as determinações do relatório da ONU de 2008. “De lá para cá as coisas só pioraram”.
Dignidade – A relatora da ONU incentivou a luta pelos direitos humanos, apesar da ofensiva dos setores conservadores.
“Devemos pôr fim à desigualdade e à extrema pobreza o que porá fim ao racismo e à discriminação que leva à invisibilidade dos povos indígenas. Todos os parlamentares e todas as entidades devem proteger os direitos dos povos indígenas para que eles possam continuar a viver e desfrutar uma vida com dignidade. Que mais nenhuma pessoa seja morta”, afirmou.
A relatora da ONU iniciou sua agenda no Brasil nesta segunda, 07, quando reuniu-se com estudantes da Universidade Federal de Brasília e participou do Moitará (atividade cultural) e da vigília pelos Guarani e Kaiowá realizada no Museu dos Povos Indígenas. Permanece no Brasil até o dia 17, enquanto reúne-se com organizações ligadas à luta indigenista. Vai visitar comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, na Bahia e no Pará e verificar se estão sendo cumpridas as indicações feitas ao Governo brasileiro no relatório da ONU de 2008.
Victoria Tauli-Corpuz é uma liderança indígena do povo Kankanaey Igorot, das Filipinas. Ela presidiu o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas entre 2005 e 2010. Há trinta anos, seu trabalho tem como foco a criação de organizações e movimentos envolvidos com povos indígenas, mulheres, o aumento da consciência social e mudanças climáticas.
Texto e foto

Sizan Luis Esberci

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