31 de janeiro de 2016

Após retomada, indígenas Kaiowá sofrem ataque a tiros em Kurusu Ambá

Foto _ Cimi



Lideranças Guarani Kaiowá relatam ter sofrido ataques a tiros neste domingo, 31, no tekoha Kurusu Ambá, município de Coronel Sapucaia (MS), fronteira com o Paraguai. Segundo os indígenas, as agressões aconteceram após mais uma tentativa de retomada da sede da fazenda Madama, uma das propriedades que incidem sobre o território reivindicado como tradicional pelos Kaiowá.

Segundo os indígenas, os três acampamentos que compõem Kurusu Ambá foram atacados, e a situação permanece bastante tensa. "A polícia precisa vir pra cá agora. Eles queimaram tudo, muita gente perdeu a casa, perdeu as coisas, não sabemos se sumiu gente. Dizem que morreu uma pessoa na [fazenda] Madama. Eles vieram pra matar mesmo, atirando em cima da gente", relatou por telefone em tom de desespero uma liderança de Kurusu Ambá, que preferiu não ser identificada na reportagem.

Em junho de 2015, os indígenas haviam tentado ocupar a mesma fazenda, sendo violentamente expulsos pelos fazendeiros. O saldo do ataque foi de duas crianças desaparecidas, casas incendiadas e dezenas de feridos. Em 2007, ano em que os Kaiowá iniciaram a retomada de Kurusu Ambá, duas lideranças foram assassinadas - uma delas, na mesma fazenda Madama. Entre 2009 e 2015, mais dois indígenas foram mortos em Kurusu, no contexto da luta pela terra.

O ataque

Os indígenas retomaram uma parte da fazenda Madama na noite do último sábado, 30. Por volta das 10 horas da manhã do domingo, um grupo de homens armados não-identificados em ao menos três caminhonetes atacaram a tiros a nova área retomada pelos indígenas, na fazenda Madama, expulsando os Kaiowá do local. Indígenas deste acampamento levantam a suspeita de que um Kaiowá teria sido morto durante o ataque. A informação não pode ser confirmada.


Segundo os Kaiowá, proprietários de terras que incidem sobre o tekoha estabeleceram um cordão de isolamento na área. "Os fazendeiros tão indo e voltando naquela estrada, quem vai pra lá ele responde à bala", conta um indígena de Kurusu que também não quis se identificar.

Pouco depois, o grupo de caminhonetes se aproximou do segundo acampamento de Kurusu Ambá, onde, segundo os indígenas, todos os barracos foram incendiado pelos agressores. "Queimaram tudo, ficamos só com a roupa do corpo", explica a liderança.

De lá, os indígenas em fuga procuraram abrigo no terceiro acampamento do tekoha, atacado na sequência. Segundo relata uma terceira liderança Kaiowá, as três caminhonetes seguiram pela estrada vicinal até o último acampamento, ateando fogo na casa mais próxima da via e a disparando contra os indígenas, que fugiram pelo pasto. "Quando começou a queimar, a gente ficou com medo e começou a correr, aí eles começaram a atirar em todo mundo, a gente fugiu pra braquiara [pastagem] que tava alta, se escondeu ali e ficou esperando acabar", remonta.

Durante a tarde, os indígenas recolheram diversas cápsulas dos projéteis disparados pelos pistoleiros. "Tem um monte de casca de bala aqui. A gente recolheu. Tem de 12 [mm], 22, de 38". A comunidade aguarda a chegada da Polícia Federal e da A Fundação Nacional do Índio (Funai) já foi informada e está preparando uma equipe, juntamente com a polícia, para ir ao local.

Demarcação parada

Há quase uma década, o tekoha Kurusu Ambá está em processo de identificação e delimitação. Com os prazos estourados, o relatório de identificação sobre a área deveria ter sido publicado pela Funai em 2010, segundo Termo de Ajustamento de Conduta estabelecido pelo Ministério Público Federal em 2008. No entanto, o relatório foi entregue pelo grupo técnico somente em dezembro de 2012, e ainda aguarda aprovação da Funai de Brasília.

Neste período, além dos ataques, os indígenas tem sofrido uma série de ações judiciais de reintegração de posse, que visam garantir a permanência dos proprietários rurais no local. Em março de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a decisão de reintegração de posse contra Kurusu Ambá, garantindo a permanência das famílias em parte da área.

Desde 2007, quatro indígenas foram assassinados no local - uma delas, a rezadora Xurite Lopes, de 70 anos, na mesma fazenda Madama. Nenhum inquérito sobre os assassinatos foi concluído. Os assassinos nunca foram levados a julgamento.
 
Rezadora Xurite Lopes _ Foto OAB (MS)
O contexto conflituoso com fazendeiros dificulta, também, o acesso à saúde dos indígenas. Em janeiro deste ano, uma criança faleceu por falta de atendimento médico, segundo os indígenas. A comunidade também sofre uma grave insegurança alimentar, passando fome e bebendo água contaminada.

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