27 de novembro de 2015

Para sobreviverem, índios atingidos pela tragédia de Mariana reivindicam ampliação de território


Marcela Belchior, em Adital

O que parecia ser um fim de linha para a cultura e sobrevivência do povo indígena Kremak, atingido pela poluição do rio Doce, na tragédia de Mariana, no sudeste brasileiro [Estado de Minas Gerais], pode reacender uma luta que se estende por pelo menos 25 anos. Após ficar sem condições de subsistirem sem o recurso da água do rio, a população Krenak se mobiliza em torno de uma solução possível para a continuidade da comunidade: ampliar a área demarcada do território indígena na região e migrar para uma nova localidade.

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Geovani Krenak lamenta a morte do rio Doce: "somos um só, a gente e a natureza, um só”, afirma. Foto: Reprodução.  

Em entrevista à Adital, Eduardo Cerqueira, membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Regional Leste, que compreende os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e o extremo sul da Bahia, afirma que, como forma de resistir à tragédia, a comunidade Krenak estuda reivindicar ao governo federal a expansão da área demarcada em mais 12 mil hectares. Abrangendo a região onde, atualmente, se localiza o Parque Estadual de Sete Salões, uma das unidades de conservação da natureza pertencentes ao Governo de Minas Gerais.

"Achamos a estratégia interessante, já que a área atual não dá mais condições de sobrevivência. Alguma coisa tem que ser feita”, atesta Cerqueira. Atualmente, a área demarcada do território Kremak abrange 4,7 mil hectares. Nessa zona, mais de três quilômetros de extensão do rio Doce foram atingidos e ficaram sem condições de uso para beber, pescar, nadar e irrigar a vegetação do entorno, no Município de Resplendor, onde vivem 126 famílias Kremak.

O Parque de Sete Salões foi criado, em 1998, e abrange os municípios de Conselheiro Pena, Itueta e Santa Rita do Itueto, correspondendo a uma das maiores remanescências de Mata Atlântica do leste mineiro, com montanhas, matas e cachoeiras. Além disso, a área demandada tem potencial para que os indígenas atuem também com turismo comunitário, recebendo visitantes e comercializando artesanato, sem danos ao meio ambiente.

O território da população Kremak, em Minas Gerais, foi demarcado nos anos 1990, mas ficou de fora toda a extensão do parque que, hoje, pode voltar à pauta. No início dos anos 2000, os indígenas fizeram uma reivindicação à Fundação Nacional do índio (Funai) e o governo federal chegou a realizar um estudo técnico para a questão, que até hoje não foi publicado. Na opinião dos Kremak, agora, o momento é mais do que adequado para concretizar a demanda histórica da população.

"Várias lideranças indígenas se preocupam com a questão territorial. Agora, há necessidade de colocar essa preocupação no foco da discussão. (...) Essa parte da região não foi atingida pelos rejeitos”, defende o indigenista. Segundo o conselheiro do Cimi, desde que houve a tragédia socioambiental, os indígenas atingidos têm sido atendidos com apoio emergencial, por meio de fornecimento de água com carros-pipa, repasse de cestas básicas e suporte financeiro para as famílias, o que garantiria a sobrevivência da comunidade apenas em curto prazo.

"Essa tragédia foi intensificada por um período de forte estiagem. Há mais de um ano não chove na região. Por isso, os afluentes do rio Doce estão secos. (...) O terreno também não é favorável à agricultura. A pecuária seria a forma mais comum de sobrevivência dos indígenas, mas não é possível, sem água”, explica Cerqueira.

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Membros do povo Krenak, pai e filho navegam nas águas turvas completamente contaminadas do rio Doce. Foto: Reprodução.

Entenda o caso

Uma enxurrada de lama composta por rejeitos de mineração (resíduos, impurezas e material usado para a limpeza de minérios) escoa ao longo dos 800 quilômetros do rio Doce desde o último dia 05 de novembro, após o rompimento de barragem Fundão, da mineradora Samarco. Esta é controlada pela Vale, responsável por inúmeros e graves danos socioambientais, no Brasil, e a multinacional anglo-australiana BHP Billiton, duas das maiores empresas de mineração do mundo.

Além de soterrar todo um distrito, atingir vários outros e poluir o rio Doce, se estendendo pelos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, a lama chegou ao mar no último fim de semana, amplificando ainda mais os danos ambientais, que podem levar mais de duas décadas para começarem a apresentar sinais de renovação. Ademais do prejuízo na fauna e na flora, sete mortes e 17 desaparecimentos foram registrados até o momento.

Povo Krenak fecha estrada em protesto

No início da última semana, representantes do povo indígena Krenak, cuja tribo se situa às margens do rio Doce, interromperam, em protesto, a Estrada de Ferro Vitória-Minas. Sem água havia mais de uma semana, eles diziam que só sairiam quando os responsáveis pela tragédia fossem conversar com eles. "Destruíram nossa vida, arrasaram nossa cultura e nos ignoram. Não aceitamos”, asseverou o índio Aiá Krenak à imprensa.

Considerado sagrado, em uma cultura cuja cosmovisão baseia-se na interligação entre todos os seres — humanos, vegetais, animais etc. —, o rio que atravessa a tribo era utilizado por 350 índios, para consumo, banho e limpeza. "Com a gente, não tem isso de nós, o rio, as árvores, os bichos. Somos um só, a gente e a natureza, um só”, disse Geovani Krenak.

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Povo Krenak em protesto na Estrada de Ferro Vitória-Minas. Foto: Reprodução.

Sentados ao longo dos trilhos, sob um sol de 41 graus, os índios cantavam música em gratidão ao rio, no idioma Krenak. "O rio é lindo. Obrigado, Deus, pelo rio que nos alimenta e banha. O rio é lindo. Obrigado, Deus, pelo nosso rio, pelo rio de todos”, traduziu à imprensa o pajé Ernani Krenak, de 105 anos de idade.

Sua irmã, Dekanira Krenak, de 65 anos, atenta que o impacto da morte do rio não atinge apenas os povos indígenas, sendo fonte de recursos para muitas comunidades. "Não é ‘só nós’, os brancos que moram também na beira do rio precisam muito dessa água, eles convivem com essa água, muitos pescadores tratam a família com os peixes”, aponta.

Acampados no local em barracas de lona e colchonetes ao relento, os índios, agora, têm de enfrentar também um enxame insuportável de insetos. "Nunca foi assim”, diz o índio Geovani Krenak. "Esses mosquitos vieram com essa água podre, com os peixes que nos alimentavam e agora estão descendo o rio, mortos”, relata.

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