10 de setembro de 2015

Indígenas no MS: Tensão é latente e permanente, diz Cimi

Lideranças de Tekohá Guyra Kamby'i estiveram com deputado nesta quarta

Pamela Mascarenhas, Jornal do Brasil

Os conflitos entre indígenas e produtores rurais no Mato Grosso do Sul foram amenizados nos últimos dias, mas a tensão é latente e permanente, destacou o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber César Buzatto, em conversa com o JB por telefone. A violência contra os guarani-kaiowá no Estado no final de agosto e início deste mês causou a morte do líder indígena Simão Vilhalva, de 24 anos, e deixou feridos, como o caso do bebê de um ano atingido por dois disparos de balas de borracha. Buzatto alerta que indígenas têm sofrido com diversas formas de intimidação, especialmente verbais. "Setores oligárquicos do campo acabam assumindo um papel de estado paralelo nas ações contra os povos", alerta. 
Buzzato destaca que a sensibilização e divulgação dos episódios de forte violência contra povos indígenas pelas redes sociais ajudaram a reduzir as tensões mais agudas nos últimos dias, assim como a entrada do Exército e a abertura de inquérito pelo Ministério Público Federal. O Exército Brasileiro começou a atuar no início do mês, e deve ficar em Antônio João, Aral Moreira, Bela Vista e Ponta Porã por 30 dias. O MPF em Mato Grosso do Sul, por sua vez, determinou instauração de inquérito policial para apurar possível prática de formação de milícia privada por fazendeiros. A determinação ocorreu após troca de mensagens em rede social do presidente do Sindicato Rural de Rio Brilhante, Luís Otávio Britto Fernandes, convocando produtores a promover remoção forçada de indígenas. 
Manifestantes protestaram contra ataques na semana passada, em Brasília
Manifestantes protestaram contra ataques na semana passada, em Brasília
"A situação é muito grave, especialmente nessas duas regiões, no caso dos Tekohá Ñande Ru Marangatu, próximo ao município de Antônio João, na fronteira Sul do Estado do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, a cerca de 200 km de Dourados, e do Tekohá Guyra Kamby'i, que fica na terra indígena Panambi-Lagoa Rica, no município de Douradina, a cerca de 35 km de Dourados", comentou Buzatto.
No caso de Tekohá Ñande Ru Marangatu, o ataque de fazendeiros ocorreu no final de agosto e gerou o assassinato da liderança Simião Vilharva, com um tiro no rosto. Vários outros ficaram feridos, alguns com pauladas e balas de borracha, por exemplo, entre eles uma criança de um ano, atingida com dois disparos de bala de borracha.
Na ocasião, o representante para América do Sul do Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Amerigo Incalcaterra, se pronunciou sobre o caso. "A demora excessiva na demarcação das terras tradicionais, as ordens de despejo por parte das autoridades e a violência que sofrem os povos indígenas no marco de suas reclamações estão entre as principais razões dos enfrentamentos violentos com outros atores na região", alertou Incalcaterra.
De acordo com Buzatto, a região continua bastante tensa. Ele destacou, todavia, a importância da operação coordenada pelo Exército brasileiro, deslocado para a região a partir de um processo da presidente Dilma Rousseff, para tentar evitar novos ataques paramilitares de milícias contra os índios.
No caso de Tekohá Guyra Kamby'i, os ataques ocorreram na noite da última quinta-feira (3), contra uma comunidade de 20 famílias que vive em um espaço de aproximadamente dois hectares há mais de quatro anos, em situação de extrema vulnerabilidade social e cultural. A situação vivida e a paralisação de demarcações de terras por parte do governo federal, conta Buzatto, e também o fato da área já ter sido identificada como tradicional do povo indígena guarani-kaiowá, motivaram um movimento de retomada de uma fazenda próxima à aldeia, na quarta-feira (1°), que acabou gerando o confronto já no dia seguinte. O ataque dos fazendeiros durou mesmo com o recuo da comunidade à aldeia de dois hectares, até que a prefeitura de Douradina intermediou uma conversa entre fazendeiros e indígenas.
Mesmo com os efeitos positivos de ações como do Exército e do MPF, destaca Buzatto, "há uma tensão latente e permanente". "A situação de precariedade e vulnerabilidade social-cultural dos guarani continua a mesma, ou pior do que antes. Porque a animosidade, os preconceitos, a reação dos fazendeiros são muito grandes. Isso limita profundamente a possibilidade de movimentação das famílias", salientou Buzatto, informando que em Antônio João, inclusive, há relatos de que fazendeiros teriam pressionado comerciantes a não vender qualquer mercadoria, como alimentos e combustível, aos indígenas. 
Questionado sobre as principais causas desse quadro, Buzatto apontou para a ausência e omissão por parte dos estados no combate a ações paramilitares colocadas em prática por setores ligadas aos latifúndios da região; à paralisação dos procedimentos de demarcação das terras indígenas; e à falta de decisão do STF sobre o caso das terras. Em 2005, o ex-presidente Lula homologou a demarcação das terras Ñande Ru Marangatu, mas o então ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, suspendeu os efeitos do decreto e, até agora, o STF não decidiu sobre o caso.
"Há vários anos o processo está com o ministro Gilmar Mendes e ele não delibera nem coloca a matéria para ser analisada pelos demais ministros do Supremo. Isso cria uma situação extremamente aguda, porque as comunidades, ao longo desses 10 anos, têm vivido em um espaço extremamente reduzido de terra, sem condições de prover a própria subsistência", ressalta o secretário-executivo do Cimi.
O Cimi, organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), tem uma equipe de agentes que mantém contato direto com as comunidades indígenas, neste momento apenas por telefone, em função da falta de segurança nesses locais.
Paulo Pimenta se reuniu com lideranças do Tekohá Guyra Kamby'i na manhã desta quarta-feira
Paulo Pimenta se reuniu com lideranças do Tekohá Guyra Kamby'i na manhã desta quarta-feira
O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), em reunião com lideranças do Tekohá Guyra Kamby'i na manhã desta quarta-feira (9), pediu um voto de confiança às autoridades, que estão mobilizadas e trabalhando para garantir a segurança das áreas.
Em conversa com o JB por telefone, o deputado também chamou a atenção para o processo parado no STF, que agrava o quadro de instabilidade e insegurança, comentou sobre esforços junto ao Supremo para que esses processos sejam julgados e sobre a esforço do MPF em impedir a repetição de ações de milícias privadas. 
"Não vamos tolerar milícias privadas, ações de grupos paramilitares que pretendam atuar à revelia da lei. Todos serão fiscalizados pelo Exército, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Ministério Público Federal e enquadrados por formação de milícias", disse o deputado ao JB. "Não podemos permitir que seja naturalizada a ideia de que se armar e fazer justiça com as próprias mãos possa ser vista como uma prática legal", completou. 
Os indígenas também criticam a lentidão do STF, que, segundo eles, agrava a situação de conflito. Segundo dados do Cimi, nos últimos 11 anos, mais da metade dos assassinatos de indígenas no país ocorreram no Mato Grosso do Sul. Em 2013, foram 73 casos de suicídios de indígenas no estado, maior índice em 28 anos. Dos 73 mortos, 72 eram do povo guarani-kaiowá.
Nesta quinta-feira (10), o presidente da Comissão de Direitos Humanos vai ao município de Antônio João para se reunir com os guarani-kaiowá do Tekohá Ñande Ru Marangatu.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, informou nesta quarta-feira (9) que o governo federal vai iniciar cinco mesas de negociação na semana que vem, para resolver conflitos sobre demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. De acordo com o ministro, as cinco áreas foram escolhidas em acordo entre governos federal e estadual e lideranças indígenas e de produtores rurais.

 

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