17 de junho de 2015

Sentença confirma: usina no Tapajós só pode ser licenciada após consulta aos povos afetados

A consulta já foi considerada obrigatória em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sentença exarada anteontem (15) confirma consulta nos moldes da Convenção 169 

Mãe da etnia Munduruku (PA) _ Foto Ana Mokarzel
                    
                 
MPF/PA

A Justiça Federal de Itaituba confirmou em sentença que o governo federal está proibido de licenciar a usina São Luiz do Tapajós sem antes realizar a consulta prévia, livre e informada conforme prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que tem força de lei no Brasil. A sentença, do juiz Ilan Presser, confirma decisões anteriores no mesmo processo, inclusive uma suspensão de segurança do Superior Tribunal de Justiça. Todas determinam que a consulta seja realizada, tanto com povos indígenas quanto com ribeirinhos, antes da emissão de qualquer licença ao empreendimento.

“Não se pode ignorar a assertiva de que a vontade da Convenção 169 da OIT, e do artigo 231 da Constituição é de, a partir do exercício do direito de consulta, seja permitida a preservação e fomento do multiculturalismo; e não a produção de um assimilacionismo e integracionismo, de matriz colonialista, impostos pela vontade da cultura dominante em detrimento dos modos de criar, fazer e viver dos povos indígenas, que corre o grave risco de culminar em um etnocídio”, diz a sentença judicial.

Para a Justiça, já está havendo violação do direito de consulta por parte do estado brasileiro. “Em todo o procedimento de licenciamento ainda não foi observado materialmente o direito de consulta prévia. Ou seja, da leitura dos autos verifica-se que os réus estão suprimindo direitos de minorias, materializados na consulta. Ou, na melhor das hipóteses, estão invertendo, indevidamente, as fases do licenciamento.”

A decisão cita jurisprudência nacional e internacional sobre o direito à consulta e alerta para o risco do Brasil ser condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, como já ocorreu com Suriname, Paraguai e Equador, por permitirem a instalação de empreendimentos para extração de recursos em terras de populações tradicionais sem a devida consulta prévia.

Durante o processo judicial foram feitas manifestações pelos réus – Eletrobrás, Eletronorte, Aneel e Ibama – que indicam, de acordo com a sentença judicial, falta de conhecimento sobre as comunidades indígenas e tradicionais que habitam a região e serão afetadas pelos empreendimentos. Em suas manifestações, os entes do governo brasileiro tentam sustentar a tese de que não há impacto sobre populações indígenas e tradicionais porque não há terras indígenas demarcadas na área de impacto direto do empreendimento.

“Não se verifica adequada e razoável a alegação de que não existe influência do empreendimento em áreas demarcadas, até porque, como visto acima, existe indicativo de que as terras indígenas Andirá-Marau, Praia do Mangue, Praia do Índio e Pimental, KM 43 e São Luiz do Tapajós serão afetadas, algumas das quais já demarcadas, como a Praia do Índio e Praia do Mangue”, refuta o juiz federal na sentença.

A sentença menciona a situação da terra indígena Sawré Muybu, dos índios Munduruku, que teria parte significativa de seu território alagada pela usina e é objeto de outro processo judicial, em que o governo tenta protelar a demarcação – já em fase avançada – com o objetivo não declarado de facilitar o licenciamento da usina. Os argumentos do governo nos dois processos são complementares e auto-explicativos. No processo sobre a terra indígena, a Fundação Nacional do Índio alega que não há prioridade na demarcação. No processo sobre a usina que vai afetar a terra indígena, é a vez da Eletrobrás e da Aneel alegarem que sem demarcação, não cabe consulta prévia.

“Não resta outra conclusão possível senão a de que é irresponsável e inconstitucional se fazer vistas grossas a um possível e grave fato consumado de destruição sociocultural. Assim como em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, a cachorra Baleia sonhava, de forma inatingível, com seus preás, não se pode permitir que os povos indígenas, futuramente, ao recordar de seu passado, sonhem com um presente que já lhes seja impossível desfrutar. Não se podem relegar aos livros de História os elementos socioculturais de grupos só porque possuem modos de criar, fazer e viver diversos da cultura prevalente”, conclui a sentença.

Avaliações ambientais

O Ministério Público Federal, autor da ação sobre a consulta dos povos afetados pela usina São Luiz do Tapajós, também solicitou à Justiça que obrigasse estudos mais amplos sobre os impactos, levando-se em consideração que, apesar do licenciamento ser feito para cada empreendimento, o projeto do governo é para pelo menos cinco barragens no rio Tapajós e os impactos conjuntos ou sinérgicos sobre a bacia hidrográfica deveriam ser melhor avaliados.

Para isso, o MPF pediu a obrigação de fazer dois estudos – Avaliação Ambiental Integrada e Avaliação Ambiental Estratégica, ambos previstos na legislação ambiental brasileira. A sentença obriga o país a realizar um deles e não reconhece a necessidade do segundo. No processo, o governo tentou se esquivar da necessidade das avaliações apresentando o conceito de usina-plataforma, que supostamente seria aplicado no Tapajós.

Na sentença, o juiz considera que falta comprovação suficiente da eficácia desse modelo e que a Avaliação Ambiental Integrada é tanto mais necessária pelo fato das usinas do Tapajós afetarem um mosaico de áreas especialmente protegidas onde se localizam terras indígenas, de comunidades tradicionais e unidades de conservação, seja de uso integral, seja de uso sustentável. Ler original AQUI. Veja audiovisual do Greenpeace AQUI.

Processo nº 0003883-98.2012.4.01.3902 – Vara Única de Itaituba
Íntegra da Sentença

Acompanhamento processual


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