5 de maio de 2015

Tupinambá protestaram com ritual "Porancy" contra a morte do líder Pinduca (BA)

"Não foi só um protesto, até porque nossa luta é Ritual, Ancestral, Encantada e vamos além do nosso corpo. Por isto, vocês mandatários do Estado Brasileiro e as elites nunca irão nos entender - nem queremos - e muito menos seremos derrotados!" 
 
 
 
Amazônia Legal em Foco publica material enviado a este Blog.
 
Por Casé Angatu Xukuru Tupinambá* 
com Fotos de Katu Tupinambá 
Segunda (04/05/2015) fechamos em protesto uma das pontes de acesso ao Território Indígena e Ancestral Tupinambá de Olivença (Ilhéus/Bahia). Ficamos da 9hrs até 23hrs juntos e fortalecidos espiritualmente com a anga do nosso Gwarini Atã Pinduca. Eramos: Anciãs, Anciões, Cunhatãs, Curumins, Cunhãs, Abas.
Realizamos nosso Porancy, buscando proteção à Jacy, Tupã, Encantados, Ancestrais e Natureza. Protestamos e ramiamos o tempo todo não por vingança mas para demonstrar que a morte do Parente Pinduca não foi em vão. Voltamos a dizer que não possuímos rancor, mas temos memória.
 
Clamamos por justiça! Porém, não pedimos por esta justiça do estado brasileiro e de seus mandatários. Suas leis não nos confortam! De vocês não esperamos nada ... até porque as leis nas quais pautam sua (in)justiça foram feitas historicamente para proteger a propriedade privada, a devastação da natureza, criminalizar todas e todos que lutam contra seu sistema avassalador.
 
Pedimos justiça e força, sim, mas foi para nossos Encantados, Jacy, Tupã Natureza e Ancestrais. Justiça em nosso caso tem nome: devolução das terras ancestrais.
"Oh ... devolvam nossas terras
Nossas terras nos pertencem
Nelas mataram e ensanguentaram os nossos Parentes
Nelas mataram e ensanguentaram mais um Parente"
(Um das canções cantadas ontem no Porancy em lembrança à Pinduca)
 
Não queremos vingança até porque sabemos: quem mata não é só aquele que aperta o gatilho ou corta com o facão. O maior assassino dos Índios no Brasil é o estado e seus mandatários. Isto sim é história, mas não história que vem dos documentos da Torre do Tombo (Portugal), Arquivo Nacional, relatos de viajantes, textos oficiais, documentos clericais. Isto é História que advém da memória de nossos anciões que todas cunhatãs e curumins são guardiões.
 
Ninguém do governo federal (Executivo ou Legislativo) apareceu ontem na nossa manifestação. Durante nosso protesto ficamos sabendo que existia uma guarnição de policias prontos para nos retirar à força da via. O que ocorreu no Paraná dias atrás é a regra com o estado com Povos Indígenas. Isto não foi uma surpresa, mas a constatação de que lado estão os que (des)governam este lugar que alguns chama de Brasil e nossos chamamos de Território.
Como Pinduca disse e nos faz pensar: não queremos de volta tudo o que nos levaram: "só uma terrinha para trabalhar e criar nossos filhos". Até porque não somos como as elites brasileiras e mundiais: sabemos dividir, a exemplo do que nos falamos nossos Parentes de Chiapas no México:
 
"Yo soy como soy y tú eres como eres, construyamos un mundo donde yo pueda ser sin dejar de ser yo, donde tú puedas ser sin dejar de ser tú, y donde ni yo ni tú obliguemos al otro a ser como yo o como tú" (Subcomandante Marcos - Movimento Indígena Zapatista - México).
 
"Um mundo onde caibam vários mundos". Mas se vocês desejarem que recuperemos a natureza destruída pela elite nacional e internacional, para que não falte mais água e alimento, devolvam tudo que nos roubaram. Devolvam e recuperamos para todos nós a natureza da qual somos espiritualmente ligados. Vamos deixar vocês vivendo num outro mundo respeitando sua cultura, desde que respeitem a nossa.
 
Aprendemos com Pinduca: "a Terra é pra sempre, já o dinheiro não". A Terra é sagrada ... como que pode matar os que lutam por preservá-la e por sua ancestralidade... angustia retada ...
 
Voltamos a dizer: caso a demarcação já tivesse ocorrido não teríamos a morte deste Guerreiro e de tantos outros. O estado brasileiro e seus aliados ruralista são também culpados por mais este crime violento.
 
Nosso coração fica apertado porque somos mortos e presos ... e o estado não oficializa a demarcação do Território. Quantos Índios Guerreiros terão que morrer para a demarcação ocorrer ...
Desde o começo deste ano falamos, com muita dor no coração, que infelizmente muitos Parentes morreriam em 2015. Índios iriam morrer como decorrência da política anti-indígena e de não demarcação do atual governo federal.
Os atuais mandatários do poder são culpados pela violência contra os Povos Indígenas ao nomearem para os ministérios e outros cargos pessoas que, abertamente, pregam ódio contra os Índios que lutam. Os atuais mandatários do poder deram força para aqueles que agem com violência contra os Povos Indígenas.
 
Mas tenham certeza Parentes, Aliados e aqueles que ainda não despertaram para a importância de nossa Luta e estão lendo este texto:
 
Pinduca não foi enterrado
Foi plantado
Do solo adubado por ele
já nascem e crescem novos Gwarinis Atãs
Aos que mataram fisicamente Pinduca e outros Parentes:
não temos rancor, mas possuímos memória.
 
PINDUCA !
SUA MORTE NÃO SERÁ EM VÃO !
E SEU CORPO JÁ ADUBAR NOVOS FRUTOS ... NOVOS GWARINIS ATÃS JÁ NASCERAM ONTEM MESMO E NASCERÃO MUITOS OUTROS !
 
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Recado aos poderosos e que nos prendem e matam...
 
"bate rebate
torna rebate
na pisada do lageiro
é fazer derreter
pisa ligeiro
pisa devagar
quem te medo de formiga
não assanha mangangá
Oh quem tem medo de formiga
não assanha mangagá"
(Canção Ritual)
 
DEMARCAÇÃO JÁ !
 
AWERÊ PARENTE ÍNDIO PINDUCA TUPINAMBÁ GWARINI ATÃ !
 
* Casé Angatu Xukuru Tupinambá é Professor Universitário da UESC
 
 

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