5 de maio de 2015

Amazônia: Almoxarifado do Brasil e do Mundo?

Egydio Schwade, CIMI
         
                            
Espanhóis, portugueses, holandeses e ingleses, invasores da Amazônia de 1540 até o fim do Brasil Colônia, assim como os mandantes da região que se seguiram até os nossos dias, não têm outra coisa na cabeça senão invadir, depredar, localizar suas riquezas e saqueá-las. As pessoas que ocupam esse território, só prestam se aceitam serem escravas do invasor, fornecendo alimentos e mão-de-obra. No mais são estorvos e só prestam mortos. Não é outra a intenção e a atitude dos atuais mandantes da região e do país. A PEC 215 tenciona tirar o domínio dos povos originários remanescentes sobre os seus territórios, para transferi-los aos novos interesses presentes na cabeça dos donos do poder de hoje.
Isto aflorou nas preocupações diárias da expedição de Orellana (1541-1542), como comprova o relatório do frei Carvajal. Seguidamente expressa o objetivo dos mandantes da expedição que era localizar minério: ouro, prata... Já nas primeiras páginas lê-se: “Aqui nos deram notícia das amazonas e da riqueza que abaixo existe, e quem a deu foi um velho que dizia ter estado naquela terra, e também nos deu notícia de outro senhor que vivia afastado do rio, metido terra adentro, o qual dizia possuir grande riqueza de ouro.” E mais adiante: “... e assim nos diziam os índios da província de Aparia que havia um grande senhor terra adentro rumo Sul, que se chamava Ica, e que este teria grande riqueza de ouro e prata.” O índio apenas interessava enquanto lhes fornecia comida, ajudava a construir embarcações e localizava minas.
No início do século VIII os bandeirantes localizaram diamantes e ouro nas cabeceiras do Rio Paraguai, margens do rio Cuiabá e no córrego do Ouro em Diamantino/MT. Na sua exploração, durante um século, escravizaram índios e negros, seja nas minas, seja como remadores para subir o Rio Tapajós e seus afluentes para chegar às minas.
Em todo o período colonial as comunidades indígenas da Amazônia forneceram ao Governo Português o alimento para as expedições colonizadoras, exploradoras e espoliadoras, e escravos para as fazendas do Maranhão e do Baixo Rio Amazonas. O esquema português não se alterou no período imperial: mão-de-obra para saquear e garantir empreendimentos que consolidavam a ocupação, como a construção de prédios urbanos e soldados para suas guerras.
Ainda no final do Império, outros interesses começaram a surgir, exigidos pelo mercado internacional, como a borracha. Norte-americanos e europeus, visando a fabricação dos seus automóveis, financiaram a invasão dos rios e igarapés da Amazônia para a exploração do látex, sem respeito aos donos do território.
A partir da II Grande Guerra, a Amazônia veio sendo vasculhada na busca de minérios estratégicos. Já antes da guerra terminar, militares norte-americanos com a colaboração do Governo Brasileiro, invadiram territórios indígenas para fazer o levantamento aerofotogramétrico da Amazônia para localizar estes minérios.
A transferência da capital para Brasília foi a estratégia de que se valeu o Governo Juscelino Kubitschek para facilitar a invasão do cerrado e da Amazônia. À construção de Brasília seguiu o plano megalomaníaco das rodovias rumo a Amazônia. A Brasília-Belém invadiu as terras dos índios Canoeiro e Apinajé, entre outros.  A Brasília-Rio Branco, a BR-264, violou o território de uma dezena de povos, levando a morte mais de 80% das pessoas que habitavam em seu trajeto.
A Ditadura Militar, além de concluir a Brasília-Rio Branco, iniciada por Juscelino, construiu as rodovias Transamazônica, BR-174, Perimetral Norte, Cuiabá-Santarém. Todas violaram territórios indígenas como se fossem “vazios demográficos”. Seus habitantes foram trucidados. Genocídios ocorreram durante a construção de todas essas estradas.  Assim o território dos índios Waimiri-Atroari, a norte de Manaus, se tornou um alvo preferencial após o levantamento dos americanos em 1944, devido a localização de diversos minérios estratégicos. Conhecedores dos minérios ali existentes, os militares iniciaram em 1967 a construção da BR-174 que reduziu o povo Waimiri-Atroari de 3 mil para 332 pessoas. O genocídio desse povo ainda não havia sido concluído, quando o Governador biônico Danilo Areosa doou e registrou 266 lotes da terra indígena, para grileiros “paulistas” (3 mil ha cada lote).
E tão logo a rodovia foi concluída, a empresa Paranapanema em sociedade com duas empresas japonesas, ocupou parte do território reservado aos Waimiri-Atroari e começou a explorar os minérios de alto valor: tântalo, ítrio, columbio, criolita...  Como se fossem apenas cassiterita, minério de valor secundário. E a partir dessa experiência os militares criaram o Projeto Calha Norte, visando ocupar e espoliar os territórios indígenas da fronteira Norte do país. Os indígenas tidos até então, como guardas da fronteira, passaram a ser estorvos do desenvolvimento, como opinou o ex-governador biônico de Roraima, Ramos Pereira: “Sou de opinião que uma área rica como essa não se pode dar ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimento” (Jornal A Crítica, 05 de março de 1975).
E já ao tempo da construção da BR-174 o Governador do Estado do Amazonas, Danilo Areosa reclamava: “Os silvícolas ocupam as áreas mais ricas de nosso Estado, impedindo a sua exploração, com prejuízos incalculáveis para a receita nacional, impossibilitando a captação de maiores recursos para a prestação de serviços públicos”. A rodovia deu acesso às minas do Pitinga que vêm sendo exploradas por empresas nacionais e estrangeiras. Diariamente passam em frente à minha casa, aqui na BR-174, mais de 300 caçambas de minério. E a população desconhece o valor, o conteúdo e o destino deste minério. E aparentemente, nem o poder público o sabem. Um funcionário da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) descreveu a um pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) o mecanismo da “fiscalização”: “Não sabemos na verdade quanto nem o que está sendo fiscalizado. Mesmo que parássemos as carretas e fiscalizássemos, teríamos dificuldades para identificar se o minério que a empresa diz ser cassiterita realmente o é. Então não fazemos nenhuma fiscalização. Mensalmente, um funcionário da Taboca nos telefona comunicando o número da guia e o valor correspondente que eles recolheram ao Banco referente ao imposto”.
As rodovias ampliaram os interesses e tornaram mais agressivos e gananciosos os novos invasores. Fazendas, mineradoras, agronegócio surgem e os rios são barrados. Reservatórios para hidrelétricas cobrem terras indígenas para abastecer de energia cidades, metrópoles e os projetos de empresas privadas estrangeiras ou nacionais como Alcoa, Vale do Rio Doce e Paranapanema.
A maior mina de ouro do país está localizada a 20 km da futura hidrelétrica de Belo Monte em terras dos índios Caiapó e já está entregue à uma empresa multinacional canadense.
Ontem os índios eram os heróis que protegiam essas riquezas do país. Hoje, as autoridades não são apenas coniventes com o saque, mas financiam o mesmo e os índios viraram vilões e estorvo.
 
 

Foto: Povo Waimiri-Atroari, 1985 | Egydio Schwade

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