30 de março de 2015

Laboratórios dos Estados Unidos devolvem amostras de sangue ao Povo Yanomami

Dário e Davi Yanomami com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e a subprocuradora, Deborah Duprat _ Foto: Hutukara

 Kátia Brasil em Amazônia Real

Depois de uma década de ações judiciais e campanhas internacionais, as amostras de sangue do povo Yanomami coletadas sem autorização da etnia, entre os anos de 1967 e 1970, para pesquisas genéticas em laboratórios de universidades dos Estados Unidos foram repatriadas ao Brasil. A informação é da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e da Procuradoria Geral da República.
A Procuradoria Geral da República ainda não divulgou à imprensa os nomes dos laboratórios americanos que devolveram o material genético, quais universidades eles pertencem e número de amostras repatriadas até o momento.
Para o povo Yanomami, o sangue coletado indevidamente de cerca de 3.000 índios foi um crime contra os costumes tradicionais da etnia previsto na Constituição brasileira. Muitos dos índios que tiveram material genético coletado pelos pesquisadores norte-americanos já são falecidos. Portanto, o sangue deles são restos mortais da etnia, que tem como costume cremar os mortos.
Na última quinta-feira (26), em Brasília, o líder Davi Kopenawa Yanomami e seu filho, Dario Vitório Yanomami, receberam simbolicamente uma caixa com o material genético durante reunião com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, além de um representante do ISA (Instituto Socioambiental), organização que apoia a questão indígena.
Em entrevista à agência Amazônia Real por telefone de Boa Vista (RR) neste fim de semana, Dário Yanomami, 29 anos, disse que o material genético já foi enviado pela Procuradoria Geral da República ao Ministério Público Federal de Roraima. Segundo ele, no próximo dia 3 de abril o povo Yanomami receberá oficialmente as amostras em uma festa na aldeia de Piaú, na região de Toototobi, na Terra Indígena Yanomami. É na aldeia que estão muitos indígenas que tiveram o sangue coletado. O local é acessível apenas em viagem de quase duras horas de avião da capital de Roraima.
Davi Kopenawa com a subprocuradora Deborah Duprat, em Brasilia (Foto: Hurukara)
Davi Kopenawa com a subprocuradora Deborah Duprat, em Brasilia (Foto: Hurukara)
Sobre a entrega simbólica das amostras de sangue, no dia 26 último em Brasília, ele disse que foi uma surpresa. “Estávamos numa reunião de divulgação do mapa binacional Yanomami. De repente, as amostras do sangue dos nossos ancestrais foram entregues na Procuradoria. A Dra. Deborah Duprat, que cuida das políticas indígenas, nos avisou que chegou dos Estados Unidos. Foi uma surpresa para nós. Estamos em festa e agradecemos as autoridades”, afirmou.
A população Yanomami vive no Brasil e na Venezuela. Entre os Estados do Amazonas e de Roraima, a Terra Indígena Yanomami forma um território de 9,6 milhões de hectares demarcados. A população foi estimada em 19.338 pessoas pelo Ministério da Saúde, em 2011.

Livro denunciou coleta de sangue dos Yanomami
De acordo com a ação judicial do Ministério Público Federal em Roraima aberta em 2005, o povo Yanomami descobriu que as amostras de sangue foram coletadas dos indígenas, sem autorização, quando o jornalista norte-americano Patrick Tierney lançou o livro “Trevas no Eldorado”, no ano 2.000.
No livro, o jornalista denunciou que os também norte-americanos, o geneticista James Van Gundia Nell e o antropólogo Napoleon Chagnon, coletaram mais de 12 mil amostras de sangue em cerca de 3.000 indígenas yanomami.
A investigação do MPF diz que um dos objetivos de Nell e Chagnon com as mostras de sangue era pesquisar povos que nunca tinham sido expostos à radiação artificial na Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos da América (AEC).
Segundo a ação judicial, participaram da coleta de sangue do povo Yanomami dois cientistas brasileiros, Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Manuel Ayres, da Universidade Federal do Pará.
O geneticista James Van Gundia Nell morreu no ano 2000. O antropólogo Napoleon Chagnon, hoje com 76 anos, se tornou um pesquisador polêmico ao publicar diversos livros em que aborda a violência na cultura do povo Yanomami.
Recentemente, Chagono concedeu entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em que diz ser “simpático a esse pedido” de repatriação do sangue do povo Yanomami, mas para os indígenas da etnia que vivem em território venezuelano. Na opinião de Chagnon seria “irresponsável” entregá-los a yanomami brasileiros, como Davi Kopenawa: “Uma tribo ficaria muito assustada de saber que seus vizinhos têm o sangue de seus ancestrais. Eles acreditam que isso poderia ser utilizado para fazer magia negra, por exemplo”, disse o antropólogo na reportagem.
Segundo Dário Vitório Yanomami, na época em que foram coletadas as amostras de sangue, entre os anos de 1967 e 1970, as lideranças não sabiam o que os pesquisadores James Van Gundia Nell e Napoleon Chagnon faziam ao certo nas aldeias.
Os nossos ancestrais não sabiam falar nada do português, não sabiam de nada. Aí os pesquisadores americanos se aproveitaram e pegaram o sangue deles para fazer estudo”, afirmou Dário Yanomami.
O líder yanomami, Davi Kopenawa. (Foto: Hutukara)
O líder yanomami, Davi Kopenawa. (Foto: Hutukara)
 Em novembro de 2002, o líder Yanomami, Davi Kopenawa e a Comunidade de Paapiú,na qual também há indígenas que tiveram o sangue coletado pelos pesquisadores, escreveram cartas à Procuradoria Geral da República em que expressavam a preocupação com a não repatriação do sangue do povo indígena. As cartas foram divulgadas pela Comissão Pró-Yanomami (CCPY).
Carta de Davi Kopenawa
“Demini, 11 de novembro de 2002.
Caros Procuradores.
Nós Yanomami queremos mandar esta carta para vocês porque estamos tristes com sangue de nossos parentes mortos que está nas geladeiras nos Estados Unidos.
Olha, falei com meu povo yanomami de Toototobi onde os americanos tiraram o sangue. Os velhos falaram que estão com raiva porque esse sangue dos mortos está guardado por gente de longe.
Nosso costume é chorar os mortos, queimar corpos e destruir tudo que usaram e plantaram. Não pode sobrar nada, se não o povo fica com raiva e o pensamento não fica tranquilo. Os americanos, esses, não respeitam nosso costume, por isso queremos de volta nossos vidros de sangue e tudo que tiraram do nosso sangue para estudar.
Precisamos ajuda de vocês para conversar com os americanos que têm nosso sangue para eles devolverem.
Obrigado, um grande abraço.
Assinado: Davi Kopenawa Yanomami”

Carta da Comunidade de Paapiú
“Há muito tempo os americanos levaram nosso sangue, e nós o queremos de volta. Esse sangue pertence aos pajés, por isso, nós jovens estamos muito tristes.
Você, Presidente do Brasil, pode perguntar ao governo americano sobre nosso sangue que há 30 anos foi levado para aquele país. Nós queremos que eles nos devolvam.
Nós, Yanomami da região do Paapiú, escrevemos este documento e o estamos enviando à Procuradoria.
Koatã Yanomam Aiama; Miúdo Yanomama Arokona; José Yanomama Arokona; Eduardo Yanomama Toroto; Branco Yanomama Kitato; RaimundoYanomama kakuruma; Xacamim Yanomama Kayapa; Xapuri Yanomama; Thomé Yanomama Hera; Valdir YanomamaWaithëri; Raimundo Yanomama Catrimani I Thëri; Makuxi Yanomama Perokapiu; Denilson Yanomama Porari; Xaiya Yanomama Ixoma; Gorge Yanomama Yurimotima; Joel Yanomama Komati; Arikó Yanomama Puusitatima; Geraldino Yanomama Paxori; Alfredo Yanomama Himotóno;João Davi Yanomama Maraxi.”
Em 2006, o Ministério Público Federal em Roraima anuciou que recuperou amostras de sangue de 90 índios yanomami da Universidade Federal do Pará (UFPA). O caso não envolvia os pesquisadores norte-americanos. Conforme reportagem da Agência Brasil, as amostras foram coletadas em 1990 sem o necessário consentimento dos indígenas.



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