20 de abril de 2013

'A Mãe Branca do Xingu'

Foto _ Acervo Família Villas Boas
Por Tereza Amaral


ENTREVISTA


"Eu ainda estou com Orlando..."

Há mulheres que nunca se conheceram e costuram no tecido das suas histórias o mesmo drapeado...São pérolas, porém aplicadas em bordados diferentes.
Exemplo disso é se fizermos uma analogia entre Simone de Beauvoir com Marina Villas Boas.
Nelas há – por mais paradoxal que possa parecer - pontos de alinhavo. A escritora francesa e a enfermeira brasileira escreveram na literatura , saúde e ativismo político uma roteirização – só que Marina numa perspectiva romântica – parecida não apenas na defesa dos ideais de cada uma delas, mas até no amor: ambas viveram intensamente um elo de cumplicidade com seus companheiros Jean Paul Sartre e Orlando Villas Boas.
A reportagem de Amazônia: Brasil Brasileiro entrevistou a quinta dos dez filhos do casal Lázaro Lopes de Lima e Maria Izídia de Oliveira Lima. E teve, mais uma vez, a real dimensão da célebre frase de Beauvoir “Não se nasce Mulher: torna-se”.
Leia entrevista na íntegra:

P: Uma jovem de apenas 23 anos desembarca num avião da FAB no Xingu na década de 60. Qual o motivo da sua viagem?

R: Eu havia acabado de terminar Enfermagem e trabalhava com o médico Murilo Vilela, amigo de Orlando que sempre o encontrava quando estava em a São Paulo. E numa dessas visitas ele me convidou para trabalhar no Xingu. Decidi ir pela profissão, a atração que sentia desde criança pelos indígenas e por aventura.

P: E quanto ao envolvimento de vocês. Foi amor à primeira vista?

R: Eu o encontrei várias vezes em São Paulo, como mencionei, quando trabalhava com Murilo Vilela. Mas foi quando cheguei no Xingu ao descobrir o homem inteligente e humanista. Trabalhávamos 24 horas juntos e a sua simpatia – ele nos fazia rir o tempo todo – , além da sua beleza me encantou.

P: Como era o marido e pai Orlando Villas Boas?

R: Foi um grande companheiro. E como pai não poderia ser melhor. Eu fiquei no Xingu de 1963 até 1975 quando retornei a São Paulo com as crianças – Orlando e Noel – para que estudassem. Durante esse período trabalhava no escritório que tinha um convênio firmado com a Escola Paulista de Medicina, atualmente UFSP ( permanece até hoje). E era responsável pelo encaminhamento dos índios que Orlando enviava para tratamento e, ao término, providenciava o retorno. Ele nos visitava sempre e nas férias íamos para lá.

P: Nos fale sobre o seu trabalho no Xingu.

R: Nós tínhamos uma acampamento com dois ranchos. Um era dormitório e no outro funcionava o laboratório onde eu trabalhava. Fazia um pouco de tudo: partos, pequenas incisões e até obturações dentárias. Era uma espécie de pronto-socorro. E ia até as aldeias quando as vacinas chegavam porque não tínhamos como armazenar.

P: Vocês chegavam a passar dias sem se ver?

R: Trabalhávamos juntos, mas em expedições em que eu não podia ir ficávamos meses separados. A comunicação era por rádio amador e trocávamos correspondências quando os aviões do tipo teco-teco iam até eles para jogar alimentos. Como eu não falava as línguas das etnias, sempre havia jovens que falavam português e trabalhavam como intérpretes. Quando Orlando estava era ele quem traduzia.

P: Naquela época qual o lazer no Parque Nacional do Xingu?

R: Em noite de lua cheia e clara dava para nadar, andar em trilhas. Além disso, jogávamos baralho, assistíamos cerimônias nas aldeias e eu lia pouco, ao contrário de Orlando, porque a leitura era à luz de lamparina. O rádio tinha muita interferência.

P : O que foi o Xingu para a senhora?

R: A grande riqueza da minha vida. Aprendi a viver com muito pouco, a ter respeito pela natureza e compreender a linguagem do tempo, das águas...Era um universo completamente diferente e só sentia saudade da minha família. Foi uma bênção em minha vida ter tido a oportunidade de viver no paraíso com a pessoa amada. Eu ainda estou com Orlando...

P: Como a senhora analisa a política indigenista atual?

R: Os índios estão esquecidos. É preciso que se tenha um olhar mais preocupado com a população indígena que já foi de cinco milhões de pessoas.

P: Qual a sua leitura sobre Belo Monte?

R: Belo Monte é um crime contra o planeta!! Se estivesse aqui Orlando com certeza já teria feito um grande movimento contra.


P: Para finalizar, nos fale sobre o filme Xingu.

R: O diretor (Kao Hamburger) teve muita sensibilidade ao historiar 60 anos em duas horas. Ele conseguiu dar o recado. A parte política foi muito bem trabalhada e o filme veio em um momento em que o índio está muito esquecido.




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